terça-feira, 23 de outubro de 2007

Parte III

- Luz, câmera, ação!

- Vítor! – Ao chamar desta, eis que surge em cena um garboso mancebo de vestes distintas o que; conservando entre seus dedos destros um charuto apoucado, a testa franzindo em circunspeta atenção, a leveza dos movimentos no girar de sua cadeira executiva, a voz aveludada e grave; personificava a elegância daquela figura. Era a personagem de Armando, Vítor Gomes, um jovem empresário que, dadas suas aparições em cena, sempre causava maiores suspiros nas telespectadoras daquela novela, e conseqüente audiência. Um homem de caráter estimado pelos bons, e leal àqueles que consorciam de sua amizade. Neste momento contracenava com a protagonista da novela, Eulália, uma doce e bela mulher que perdera cedo o pai, e destarte assumia a presidência da empresa a qual Armando... melhor dizendo, Vítor era sócio majoritário.

- Eulália. Chamei você aqui para lhe inteirar de algumas pautas relativas à reunião de agora à tarde com os nossos principais acionistas. Quero lhe perfazer dos perfis de cada um para que possas centrar seu discurso de posse.

Eulália além de sócia de Vítor era muito antes amante, coisa que tentavam esconder aos olhos de todos, não tendo maior fortuna com Regina, irmã caçula de Eulália e mulher de Vítor. Regina caracterizava a vilã da história, se fazia não aperceber o romance adúltero do marido com a irmã, e conspirava sempre à surdina contra a felicidade de seus desafetos.

O relógio da igreja badalava dezoito horas daquela quinta-feira, e Armando já havia terminado as gravações desta semana, estava pronto para viajar na sexta, voltaria aos estúdios da RTA (Rede Televisiva de Altaneira) na terça para completar as cenas finais da novela. Encaminhava-se ao seu Rolls-Royce quando viu Eva se chegar.

- Cada vez que lhe vejo, surpreendo-me ainda mais com tamanha que é sua beleza, minha Eva.

- Armando... nunca se ausenta dessa insígnia de galanteador? Apenada será a pobre criatura que lhe vier desposar! - E Eva falava por conhecimento de causa, pois sabia das inúmeras aventuras do irmão, e das pobres donzelas que este desonrara, dentre as quais estava Bruna, amiga de Eva que namorou Armando na adolescência, vindo a ser traída por este aos olhos de Eva.

- Ora minha irmã, não é minha a culpa de teres se transformado nesta moldura que me alude muito à inocente e pura imagem da Eva de Ana Pardo. Mas me diga a que se deve tão ilustre presença?

- Falar sobre nosso pai. Achei estranha a semelhança das mortes que aqui ocorreram.

- Não entendi. Mortes semelhantes? Falas do senhor Fernandes também?

- Sim. Assim como nosso pai, ele tinha 45 anos e gozava de excelente saúde, embora tenha vindo a falecer de um infarto, mesmo sem um histórico de problemas cardíacos na família. Não tenho certeza, mas creio que exista alguma relação direta.

- Minha irmã, você está querendo me dizer que nosso pai possa ter sido assassinado, e por algum maníaco serial?

- Como lhe disse, não tenho certeza de nada, acredito em assassinato, mas preciso investigar. Vais viajar novamente para aquele lugar que nunca revelas?

- Questão de privacidade. Sabe que se souberem onde estou não me deixarão em paz; é autógrafo aqui, perguntas sobre o fim da novela ali, senhoras mau cheirosas querendo me abraçar... é minha irmã, a boa fortuna também tem suas desvantagens.

Já era noite, a fria e densa névoa ofuscava as ruas de Altaneira, e as luminárias públicas fincadas no pavimento de pedras regulares, o desenho de suas construções, em tudo se fazia presente o modelo arquitetônico vitoriano que fôra trazido neste período pelo colonizador inglês. Na esquina em que cruzavam a Rua 15 com a Avenida do Rio, despontava uma esdrúxula e esquelética silhueta, estava agachada e desnuda, não se podia saber se era homem ou mulher, pois a névoa lhe dava guarita, corrompendo a visão melhor de sua sexualidade, mas se não era uma mulher, usava uma longa peruca, suas mãos de alongado comprimento denunciavam ser esta entidade de elevada estatura. Um estampido ecoa quebrando o silêncio da noite, a criatura corre desengonçada em direção à ponte. Se era realmente alta não deixava transparecer, já que apresentava a coluna arqueada e uma escoliose deveras acentuada, e correndo parecia sempre estar agachada. Outros dois estampidos maiores de espingarda, e agora se podia vê-la um pouco melhor, pois a iluminação da ponte desvelara parcialmente a criatura, foi quando alguns moradores que a perseguiam puderam vislumbrar.


1 comentários:

rumblefish74 disse...

Bacana o blog, faz bem meu estilo, também misturo contos, artigos jornalísticos e notas pessoais. Gosto também de temas como ocultismo, bizarrices, poesia... depois olho com mais calma, é bem escrito, nada superficial e transborda inteligência. Checa o meu, se puder diga o que achou. Thanks