terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Mistério na Vizinhança


Para onde ela estava indo? Nunca a vi tão apressada... e aquela mochila? Estaria fugindo? Quem era aquela segunda pessoa? Sei quem é... ele foi atrás da garota, com certeza! Ela tinha um ritmo menor, a mochila parecia pesada para o pequeno porte dela, logo seria alcançada. Eu precisava fazer algo, mas não tenho nenhuma intimidade com esses vizinhos... e se ele a machucar? Ela foi mãe não tem um mês... se acontecer alguma coisa com essa garota eu não vou me perdoar.

Desapareceram por uma rua e reapareceram em outra, agora estavam juntos. Ele pegou forte no braço dela e com uma cara muito brava gritou bastante. Não era qualquer briga de família, esse senhor tinha um temperamento tranquilo, pacato, não iria se submeter a uma cena dessa se não fosse por alguma razão mais forte. Ela se saiu num solavanco dos braços dele, arremessou a mochila ao chão e apontou gritando algo.

Ele se ajoelhou diante daquela mochila e deixou o rosto se banhar em lágrimas. Se eu não tivesse visto aquilo tudo e outra pessoa me contasse, juro que não iria acreditar... o homem agarrou a mochila como quem agarra um caixão de ente querido e desabou em prantos. Ela estava em pé e desorientada roendo as unhas das mãos, olhava para os lados como procurando uma resposta. Eu senti vontade de ir até lá... mas o que estava acontecendo? E como eu iria aparecer? Perguntar se está tudo bem? Era claro que não estava, os dois estavam muito emocionados. Com certeza algo de bom não era, seus rostos tinham muita dor, e não pareceram mudar durante o tempo em que permaneceram naquele lugar. Creio que apenas eu estava ali na rua para ver tudo.

Não houve violência física entre os dois, e ele estava desolado com aquela mochila nos braços. Ergueu-se do chão lentamente, e ainda em soluços olhou para ela e a beijou na testa. Ela não se conteve e abraçou o homem. Saíram os dois de mãos dadas, mas ainda tristes, e ele levando a mochila nas costas. O vácuo que deixaram na minha mente durou até o final da tarde, foi quando reapareceram, pai e filha, agora sem a mochila. Saíram no noticiário local fazendo denúncia de desaparecimento do recém-nascido. Disseram que a garota havia saído para comprar fraudas, e quando retornou, a criança não estava mais no berço.

Buscas foram feitas em toda a região, mas nenhuma notícia da criança. Disse o delegado à imprensa que esse era o primeiro registro de desaparecimento de menor na cidade, e que por isso o caso iria receber atenção especial. Nunca contei o que vi naquela manhã, e até hoje tenho o mesmo pesadelo todas as noites - um recém-nascido pára de chorar ao ser estrangulado por um par de mãos femininas, a assassina usa sempre um esmalte vermelho, o que não bate com a aparência da mãe que desleixa no cuidar das mãos. Os olhos sofridos do recém-nascido fitam os meus e uma última lágrima dele cai sobre a palma da minha mão. É assim todas as noites.

No dia anterior ao da cena familiar estive com amigos num bar perto de casa. Foi uma noite longa, os amigos saíram já tarde e eu fiquei ainda mais um pouco para terminar a cerveja. Lembro que na ida para casa um choro de recém-nascido me cegava os sentidos. Outras imagens que me vêm são desencontradas em um quarto que não era meu e de um berço branco. Não sei ao certo se são lembranças ou se são retalhos derivadas do pesadelo, mas uma coisa me intriga... sou uma mulher que gosta de se cuidar e não saio nunca de casa sem que minhas unhas estejam banhadas num esmalte, e sempre uso minha cor preferida, vermelha.



sábado, 12 de março de 2011

A Culpa


Ela talvez não se apercebeu, mas o jovem a admirava por demais. Se eu pelo menos pudesse dizer-lhe algo sem parecer ridículo - Assim o pobre diabo permaneceu até sua morte. Não conseguia expressar para Lenice que ela era tudo para ele. Os sonhos com a garota o atormentavam. Acordava toda madrugada, exausto, os lençóis suados e as partes íntimas lambusadas. Era uma angústia de lascar.

Todos os dias eles se viam no colégio. Ela sempre bem apanhada em sua farda colegial de uma sainha curta e meias alongadas ao joelho, com um olhar sempre carinhoso, e com um sorriso largo e simpático. Ele era um aborto meado, talvez tivesse acordado naquele momento da cama, aqueles cabelos não eram penteados nunca, e sua farda... devia dormir vestido nela.

Vou falar com ela hoje! - Se falavam todo dia, mas era aquela coisa... ele nunca tocava no assunto "gostar dela". Outro dia Lenice chegava meio que apressada e o viu na escada que dá acesso ao colégio, e perguntou-lhe se o professor não já havia entrado em sala, ele respondeu com um "não" simples e sem mais, creio que Lenice não notou nada de seco na resposta, ela mesma fez uma pergunta direta, estava apressada e talvez quisesse uma resposta sem mais delongas, mas se tivesse um revólver, Jonas teria se feito ali mesmo - Como eu sou idiota! Por que não a pedi para ficar e esperarmos juntos o professor! - Nenhum sentimento é mais devastador para a alma humana que a culpa, nem a inveja consome tanto da psiquê. Mas não, Jonas não se matou ali.

Depois que acordava da polução noturna, vinha à cabeça sempre a mesma idéia de como chegar e falar com Lenice - Vou esperá-la detrás da coluna do pátio e vou pedir um beijo - A garota sempre estava arrodeada de amigas, difícil fazer um pedido dessa natureza na frente de uma platéia de curiosas. Chegar nela não era de um dispêndio maior de força, uma garota simpática, de uma amizade fácil, sempre prestativa com todos e bastante carinhosa - Ela não vai me dizer nada demais na frente de todos, talvez me chame até para conversar em outro lugar, só nós dois. - Infelizmente o medo da derrota era maior que a esperança da vitória, e Jonas padecia a idéia todas as vezes que se dispunha a pô-la em prática, e somente a culpa para o acompanhar. Até que um dia...

Jonas, Lenice e colegas de sala marcaram uma festa no alto da serra, numa noite de neblina intensa, sob uma lua cheia de desejos. Todos se divertiam ao redor da fogueira. o DJ Felipe tocava das Guitarras endiabradas de Hendrix até o eletrônico de Tiesto, passando por Marley e Raul. O som deu uma desaquecida e então surgia uma baladinha romântica. Os olhos de Lenice estavam entregues ao fumo mesclado enquanto dançava aquela música envolvente. Jonas não tinha mais no que mirar senão naquela dança sinuosa e sensual da amada. Algum dos amigos tomou o fumo dela por brincadeira e saiu em disparada na direção da cachoeira, ela foi junto, tropeçou num tronco e caiu no rio, levada cachoeira abaixo morreu quando bateu a cabeça numa pedra. Jonas ali morreu. Sua alma se afogou na cachoeira, e seu corpo repousa ao lado de outros inertes numa cama de hospital. Apenas uma expressão penosa de sua voz é repetida em toda noite de lua cheia, "Culpa minha, Lenice. Culpa minha...".