terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A Farra


O banho conseguiu lhe tirar uma parte significativa da noite virada, mas o semblante de Jamil ainda denunciava o desgaste; bebidas, mulheres... não mensurou ao certo a quantidade, nem mesmo a qualidade da farra.

O quarto se assemelhava muito à devastação deixada por um assaltante; roupas por todos os lados, dentre blusas, calças jeans, cuecas, tudo ao chão. Pega de uma cueca, short jeans, camiseta e um tênis... o perfume! Agora está pronto. Esbarra numa rede armada, pondera descanso por um momento, mas precisa ir, estão lhe esperando, renuncia o fracasso e vai, afinal é carnaval.

Senta-se no banco de trás do carro, a menina lhe pega forte num beijo com textura de gloss, ânsia de vômito... arranha-lhe o peito com as garras inquietantes de uma felina. Sedenta e perspicaz agarra o volume vacilante de seu short impudico, são suspiros e manhas satirizadas pelos amigos dentro do veículo.

O velho Chevette sai, a pista vai se estreitando a cada acelerada. Os ébrios se divertem e o consciente no passageiro se apavora. São gritos de “é carnaval” de um lado e “pára, pára” do outro. Jamil, sua garota e um amigo; sexo e nimbos de maconha em meio às luzes dos carros na outra mão da avenida chuvosa. A noite promete...

A atmosfera dentro do carro se torna nauseante. Jamil estende a mão direita à boca em tentativa frustrada de abafar o fluido fedegoso que começa a jorrar sem parar sobre o rosto do motorista. O cheiro forte provoca o refluxo dos demais. Todo o carro é tomado por uma mistura gástrica de dias de carnaval.

Os pés deslizavam nos pedais enxurrados pela gosma gástrica do motorista atordoado. Invadem a contra-mão da avenida em direção à ponte. A 100 por hora atingem o rio. Fogem pelo pára-brisa estilhaçado, desabam à mata ribeirinha e dão exaustivas gargalhadas. De longe se pode ouvir a música na avenida. Silêncio de todos pra ouvir: “atrás do trio-elétrico só não vai quem já morreu”... – Vamos, vamos! – Grita a garota hipnotizada. Jamil tenta se levantar, quer correr pra festa, mas não sente a perna esquerda. Na pressa de se salvar, lacerou o membro no pára-brisa, e agora via seu sangue cuspir da veia femoral sem cessar. Grita agonizante pelos outros que não lhe ouvem, foram todos atrás do trio-elétrico, e Jamil... já morreu.