segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Parte IV

- Senhora, encontrei isto no local. – O local a que se referia o policial era o altar-mor da Igreja Paroquial. Eva recebia das mãos do guarda um papel amarelado, envelhecido, uma estilha de pergaminho deixada provavelmente para a vítima com duas inscrições em latim.

“Bella res est mori sua morte.”

“Que coisa mais bela, morrer de morte natural.”

“Res ab exitu spectanda et dirigenda est.”

“Antes de entrar, pensar na saída.”

- Obrigado. – Ela fôra acionada por volta das dezenove horas por uma beata que lhe relatara ofegante o caso do Padre Miguel, vítima da endemia de infarto. Este veio a falecer em meio a uma suposta revelação, algo que há muito deveria ter feito, mas que receava a recepção dos seus fiéis, preferindo deixar até então no anonimato. Dizia sua vida estar em risco, e se não comunicasse o que se passava em Altaneira, muita gente inocente viria a padecer a um mal iminente.

- A missa prosseguia dessa forma quando o Padre Miguel veio a desabar do altar, rolando pela escadaria, - Relatava a beata – daí vimos que uma figura estranha corria pelos arrebaldes da igreja. O sacristão Valério pegou da espingarda e, junto com os outros, foi à caça da criatura.

“- Ela usava de uma máscara negra e rutilante como piche. - E agregada a esta, uma longa peruca feita de palha amarela ouro que ia da cabeça à parte posterior dos joelhos. - E da peruca surgia um par de chifres como os de um bode .- Ela também carregava uma espécie de bolsa de tecido. - Uma demoníaca imagem, senhora.” – Os beatos contavam afobados o que viram à Eva.

Mesmo ferida no calcanhar pelo chumbo de Valério, a criatura conseguiu pular da ponte e seu corpo despencou para o rio, sendo levado rapidamente pela correnteza, despedindo-se dos olhos de todos ali que, mesmo temerosos, ansiavam as últimas olhadelas na criatura, esta ia se perdendo dentre os arbustos que circundavam as margens do rio enevoado. O que era para ser apenas mais uma missa de uma despretensiosa quinta-feira, acabou por mudar a rotina de vida de todo o povo daquela cidade.

Vários feixes de luz se intercruzavam na mata à beira-rio naquela noite, era Eva que pegava de alguns dos seus para desbravar o local onde possivelmente estaria a besta. Os populares a seguiam se acotovelando. Um rastro de sangue fôra encontrado, além de um frasco de heparina sódica e uma seringa que tinham sido esterilizados com álcool. A uns 100 metros de sua origem, o sangue possivelmente já havia sido estancado, apenas alguns ramos quebrados de arbustos possibilitaram prosseguir na caça. A trilha foi dar no asfalto, por onde a besta conseguiu escapar. Se via no rosto de Eva uma frustração deveras acentuada. Podia ela ter se apoderado do possível assassino de seu pai. Estava muito perto de pegá-lo, mas a má fortuna se assenhoreava de sua investida.

Agora Eva tinha mais certeza de que os infartos em Altaneira foram induzidos de alguma forma. Precisava investigar pautada nessa perspectiva. "O pergaminho encontrado na igreja deveria ter sido deixado pelo assassino ao padre antes de sua morte", por esta razão o pároco naquele momento conduzia a missa em caráter de revelação. “Morreu, pois sabia demais”, assim refletia Eva, já que padre Miguel passava dos 60 anos, diferia do perfil das outras vítimas, então. "O assassino tinha algum conhecimento fármaco", a heparina é uma substância anticoagulante, ele usou para estancar o sangue, e após a ter injetado, esterilizou o frasco e a seringa de forma a retirar qualquer impressão digital. Era meticuloso, sagaz.

No outro dia o Panacéia; o diário jornalístico de Altaneira, que tem como dono o médico Boris; cedo chega às casas, e a manchete principal seria de se esperar que fosse relacionada à cena vivenciada pelos beatos na noite passada. Mas outra notícia estampava a primeira página do jornal naquele dia.