quarta-feira, 3 de março de 2010

A mancha



Jorge fixou os olhos nas listras pretas paralelas que manchavam a parede. Sentado ao banquinho de couro enquanto os outros conversavam trivialidades, ele ficava ali, concentrado na figura. Tentou entender a origem daquilo. Talvez alguém tenha deixado a sola do sapato encostar na superfície enquanto descansava. Uma criança poderia ter desenhado à mão ao tempo de uma mãe distraída. Ainda poderiam ser os dedos sujos e relaxados de algum mendigo, talvez.


O certo é que eram três listras negras e paralelas... não de um paralelo perfeito, mas com alusão. Em meio a uma parede branca neve, uma mancha daquelas surgia com grande afronta para Jorge. Era como roubar a mãos gatunas a imponente coroa de um rei. Como a má fortuna abortiva retirar da mãe seu rebento.

Não podia Jorge conceber que alguém teria feito aquilo de própria vontade. Ninguém seria tão desprezível, tão vil que seria capaz de tramar um crime estético de tamanha proporção. Mas talvez fosse. A pesar de a figura ter pouco mais de dez centímetros de altura por sete de comprimento, insignificante frente à parede de quinze metros de comprimento por dois e meio de altura, causava em Jorge um imenso desconforto.

Os outros começaram a perceber que Jorge não estava bem. Sua pele antes alva tomava a cor de farelo de urucum. Seus olhos arregalados e ferozes sintonizavam-se ao nariz e testa franzidos. Os lábios se espremiam cada vez mais até que não mais suportou. Entrou em casa, demorou-se uns trinta segundos até aparecer novamente segurando uma marreta.

Tentaram o segurar, mas Jorge e sua ira estavam resolutos, nada podia pará-los. Arrastou uns três que se agarraram ao seu pescoço, e em dois empurrões laterais derrubou-os todos. Com as mãos firmemente seguras à marreta desferiu vários golpes à parede até que a estrutura veio abaixo. Ao fim, empoeirado, sem forças e com o suor a derramar pelo corpo ferido, Jorge chora inconsolado. Sentado sobre os tijolos, após segundos de perplexo silêncio, diz aos soluços: Podem manchar minha parede, mas não mancharão minha honra!