domingo, 14 de junho de 2009

O que não tem beleza, o que não vê arte


Acordei cedo naquele dia claro, não por querer... - ACORDA, vagabundo! - Olha, “vagabundo” tudo bem, não tenho como rebater o que é fato, o problema é o “ACORDA”... pra que ser tão colérico, inóspito, hostil? Eu não sei qual é a desses caras, mas não serei eu quem discutirá com um milico truculento o meu direito de ir e vir neste país, até porque ele só entende de ordem e desse tema me abstenho de discutir.

A noite não fora tão prazerosa, muita gente na rua, numa sinfonia dissonante de passadas, trotes e arrasta-pés; tênis de cores refletivas, tênis surrados, sapatos lustrosos, outros nem tanto, pernas nuas em sandálias de cores vivas, pernas brancas, amarelas, negras, manchadas, sardentas, anêmicas... uma infinidade de transeuntes de rumos vários, mas todos passavam por aqui. Acho que não me viam, cheguei a questionar minha existência, mas não estava morto, já que ainda podia sentir Laila me lamber a topada do dedão do pé.

Mendigos e cadelas têm muito em comum, a começar pela indiferença que sofrem. Cachorro todos querem, mas nasce uma cadela as pessoas já dizem logo; “Cadela num presta, depois quer ficar vadiando por aí e parindo direto”, e tratam logo de “dar fim”... sei o que Laila sente, pois sofro do mesmo calvário. Já tive pais e irmãos, mas por representar mais um prato à mesa hoje meu lar é esta antiga praça.

Bom, pelo menos me deixaram esta garrafa de vodka meia-vida; um remédio pra aliviar as tensões da realidade fria sorvedora dos sonhos quentes; ainda existem boas almas nesse mundo. Agora tenho que ir, Seu Guarda tá me dando ordens de despejo, a praça vai passar por uma reforma e não serei eu um dos adereços de ornamentação. É... o feio só é belo para os românticos amantes das artes, porque os olhos só vêem beleza no feio quando não sentem o cheiro dele tão de perto.

- Já acordei, Seu Guarda!


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